terça-feira, 9 de abril de 2013

Em atenção aos argumentos do deputado Terra

Marcos Rolim

O deputado Osmar Terra escreveu um novo texto no debate sobre política de drogas que temos mantido.
A tréplica dele pode ser lida em: http://migre.me/ad4Yj. No texto anterior que escrevi (http://migre.me/ad51R), tinha assinalado que ele poderia produzir algo muito melhor que o Manifesto. Sinceramente, já não tenho esta convicção.
Antes de passar aos argumentos mais importante, é preciso esclarecer algumas coisas. Terra afirma que:
“O Manifesto trabalha com uma tese básica: não existe comprovação fática de que descriminalizando o uso de drogas, diminua o número de usuários ou melhore a situação da saúde pública. Seja em Portugal, seja em qualquer lugar do mundo!”
Fosse este o argumento do Manifesto, eu sequer o teria respondido. Ocorre que o parágrafo acima não está no Manifesto e não guarda com o texto qualquer relação. Na verdade, o argumento do Manifesto é substancialmente outro. O que está escrito lá é que:
“onde existe maior rigor e efetividade no enfrentamento às drogas, menos dependentes existem, menor é o problema de saúde pública e de segurança. Não existe outro caminho”.
Pois bem, o que sustento é que para estas afirmações não há evidências científicas. Pelo contrário, as evidências que se acumulam há décadas têm mostrado que políticas proibicionistas e rigorosas, que apostam na prisão de usuários e na ideologia da “guerra contra as drogas”, não construíram caminho algum, mas um beco sem saída. Por isso, com base nas evidências disponíveis, o que é possível afirmar é que as posições do Manifesto são especulativas e autoritárias.
Aceitei discutir os relatórios indicados pelo deputado Terra quando do seu artigo em Zero Hora sem questionar a procedência ideológica deles. Senão por outra razão, porque todo o trabalho de pesquisa, seus pressupostos e conclusões estarão sempre informados por opções morais e por alternativas que, na ausência de melhor expressão, podemos chamar de “ideológicas”. Não é preciso ter lido Habermas ou Weber para compartilhar a noção elementar de que todo conhecimento é “modulado” por interesse e por valores, ainda que esta não seja a intenção do pesquisador. Por mais que nos esforcemos pela busca da “objetividade” nas ciências sociais, somos, enquanto sujeitos, partes integrantes do objeto estudado. Aliás, desde a física quântica e do conhecimento da realidade subatômica, o paradigma da “objetividade” não resiste mais sequer nas ciências naturais. Cientistas, afinal, não são como o Barão de Münchhausen que, em uma de suas histórias fantásticas, contou ter se safado da morte na areia movediça puxando-se pelos próprios cabelos. Não é possível, em síntese, separar completa e exaustivamente nosso conhecimento de nossas opções morais; ou seja: de nossos valores. Eles estarão sempre , ainda que como pressuposto, nas perguntas que escolhemos fazer (vale dizer: na seleção do objeto de estudo).
Mas é preciso dizer que o sistema das Nações Unidas tem trabalhado desde sempre orientado por uma política proibicionista e segundo a influência maior dos EUA e de sua política de “Guerra às drogas”. Isto não invalida, a priori, os dados constantes nos relatórios do UNODC e outras instituições, o que é muito diverso de tratá-los como “isentos” ou imunes a influências políticas. A ONU trabalha, equivocadamente, com um modelo padrão de interdição a determinadas substâncias, a partir da criminalização do seu uso e comércio e com o conseqüente emprego do encarceramento como controle. O tratamento e a prevenção do uso de drogas possuem importância muito reduzida nesta abordagem e políticas de redução de danos são abertamente desencorajadas. A “Declaração Política”, de junho de 1998, dos países membros da ONU (http://migre.me/adxZI) expõe claramente a abordagem repressiva como o “único caminho”. A mesma declaração colocou o objetivo de eliminar ou reduzir significativamente o cultivo ilegal de coca, de cannabis e de papoula até 2008, Sem trocadilhos, todos sabem que estes objetivos viraram pó. Em 2009, a reunião da Comissão de Drogas Narcóticas da ONU, em Viena, pautou o tema da “redução de danos”. Holanda, Alemanha, Reino Unido, Suiça, Portugal, Espanha, Noruega, Eslovênia, Polônia, Canadá, Argentina e Equador apoiaram a incorporação da abordagem (12 países). EUA, Rússia, Paquistão, Irã, Malásia, Índia, Sudão, Nigéria, Filipinas, Japão, Indonésia, Colômbia e Itália foram contrários (13 países). Os demais não expressaram opinião. Assim, o sistema das Nações Unidas que trabalha com política de drogas não incorporou, até hoje, a abordagem de redução de danos já reconhecida amplamente pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS). Por fim, a ONU não reconhece o direito das comunidades indígenas e de grupos religiosos que empregam substâncias psicoativas, desde a folha de Coca entre os índios bolivianos até a Ayahuasca entre os adeptos do Daime na Amazônia.
Pode-se concordar com este modelo, mas tratá-lo como exemplo de “paradigma científico”, ou de “conhecimento não ideológico”, é algo mais que ingenuidade. O que pretendi mostrar foi que mesmo os relatórios citados por Terra abrem espaços para conclusões distintas daquelas a que ele chega. Por óbvio, concentrei minha atenção nos pontos divergentes das conclusões de Terra procurando, sem sucesso, encontrar as evidências sobre o alegado fracasso da experiência portuguesa. Não estava, em síntese, construindo um argumento, mas testando as evidências que me foram oferecidas. Por isso, a leitura que fiz dos relatórios teve como foco as experiências sueca e portuguesa, objeto do debate. Não desconsiderei evidências, nem deixei de assinalar o êxito da experiência sueca. Simplesmente porque me interessa a verdade. Adiante, o leitor verá que a opção de Terra no debate parece ser outra.
O proibicionismo, posição histórica do sistema das Nações Unidas quanto às drogas, não é, entretanto, unânime. Desde a década de 90, pelo menos, há três posições nítidas nos fóruns internacionais: o primeiro grupo é formado pelos países que defendem a extensão da “Guerra contra as drogas”, na linha do Manifesto. O segundo grupo, é formado pelos que defendem uma mudança de ênfase nas políticas anti-drogas – procurando reduzir o consumo ao invés de apenas insistir no combate ao tráfico, estabelecendo políticas públicas de financiamento para o desenvolvimento econômico dos países produtores de drogas e a adoção de medidas efetivas contra a lavagem de dinheiro, etc. Por fim, formou-se um terceiro grupo que passou a defender uma posição mais pragmática, que parte do reconhecimento do fracasso mundial do proibicionismo e que se referencia em políticas de redução de danos, rejeitando as abordagens tipo tolerância zero propugnadas pelos EUA (JELSMA, 2008). No Brasil, a figura pública mais conhecida identificada com estas posições é a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Muito bem, dito isto, passemos ao mais importante.
Uma das maiores dificuldades para a análise dos resultados de uma política pública, assim como de qualquer intervenção social, é a de que não podemos isolar as múltiplas variáveis a partir de um experimento como nas ciências naturais. Relações causais, por isso mesmo, são sempre problemáticas em sociologia. Quando tomo a decisão de intervir na realidade social (com um novo regramento legal ou com a oferta de um serviço, por exemplo) não posso ter certeza de que modificações posteriores eventualmente observadas tenham sido causadas por aquela intervenção. Tais mudanças podem ter sido produzidas por outros fatores - ou pela interação de vários deles - e não guardar qualquer relação de pertinência com a intervenção que fiz.
Esta é a razão pela qual, para que possamos medir resultados de políticas públicas, é decisivo se trabalhar com “grupos de controle”. O grupo de controle (aquele onde não se fará a intervenção) deve reproduzir, tanto quanto possível as características presentes no grupo experimental (aquele onde se fará a intervenção), de tal forma que possamos “isolar” a própria intervenção como uma variável que expresse diferença significativa entre os dois grupos.
Passemos a um exemplo que todas as pessoas interessadas em prevenir o consumo de drogas deveriam saber. Em 1996, o Congresso norte-americano solicitou a uma equipe de criminólogos e cientistas sociais, coordenados por Lawrence Sherman, uma avaliação das políticas de segurança em vigor nos EUA. O trabalho, concluído em 1997 e considerado ainda hoje uma referência fundamental, chama-se: Preventing Crime: What Works, What Doesn't, What's Promising (SHERMAN et al, 1997). Em seu capítulo 5, o Relatório Sherman afirma que o programa de prevenção ao uso de drogas conhecido como “D.A.R.E.” (Drug Abuse Resistance Education) não funciona.
In summary, using the criteria adopted for this report, D.A.R.E. does not work to reduce substance use. The programs's content, teaching methods, and use of uniformed police officers rather than teachers might each explain its weak evaluations. No scientific evidence suggests that the D.A.R.E. core curriculum, as originally designed or revised in 1993, will reduce substance use in the absence of continued instruction more focused on social competency development.
Trata-se de uma conclusão importante. Afinal, o D.A.R.E., programa desenvolvido pela Polícia de Los Angeles no início dos anos 80 chegou a atingir 25 milhões de estudantes nos EUA em 1996, envolvendo mais de 25 mil policiais especialmente treinados. Mais interessante ainda: o D.A.R.E. se espalhou por mais de 40 países no mundo, entre eles o Brasil. Nosso principal programa de prevenção ao uso de drogas em escolas, o PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas), desenvolvido pelas Polícias Militares em todo o País, foi inspirado no programa norte-americano. Embora desfrute de grande prestígio no Brasil e seja estimulado por 11 em cada 10 políticos brasileiros, o PROERD nunca foi avaliado. Para isso seria preciso lidar com um grupo experimental e um grupo de controle. O primeiro receberia o programa e o segundo, não. Antes do programa, ambos os grupos responderiam a um questionário fechado e anônimo, do tipo self-report studie, sobre hábitos e experiências com drogas legais e ilegais. Dois anos após a aplicação do Programa, por exemplo, os mesmos alunos responderiam aos mesmos questionários. Com mais idade, o esperado é que os relatos sobre consumo aumentem nos dois grupos. Mas, se o Programa for efetivo, este aumento deve ser menor no grupo experimental do que no grupo de controle.
Os estudos internacionais têm encontrado, repetidamente, que não há diferença estatística significativa entre os dois grupos. Mais recentemente, há a suspeita de que programas do tipo possam ser contraproducentes, ou seja: possam estimular o consumo de drogas, contrariamente as suas intenções. Tudo isto deveria impulsionar a realização de estudos científicos de avaliação do PROERD no Brasil. Infelizmente, o tom emotivo e o discurso moralista contra as drogas, predominantes no Brasil, neutralizam a exigência deste tipo de avaliação e consagram tudo aquilo que se disser ou fizer “contra as drogas”, a começar por campanhas totalmente ineficazes que abundam na mídia.
Dou este exemplo apenas para lembrar que os defensores da criminalização do uso de drogas não costumam exigir estudos científicos dos programas que almejam reduzir o consumo de drogas ou de qualquer política que reproduza o discurso “Não às drogas” ou que sustente os objetivos de uma “sociedade sem drogas”.
Entendo que fazem isto, porque sua postura é basicamente conservadora e preconceituosa. Por óbvio, tais posições não são privilégio de qualquer grupo político ou corrente ideológica. Terra tem toda a razão neste ponto. De fato, países ditos “socialistas” praticam políticas radicalmente proibicionistas quanto às drogas – assim como quase todos os países islâmicos. Parece mesmo natural que seja desta maneira, não é mesmo? Lugares onde não há qualquer apreço pela democracia e pelos direitos humanos só podem responder ao tema das drogas com a repressão, com as prisões, com a violência e mesmo com a pena de morte.
No mundo inteiro, há muito o tema das drogas se emancipou dos alinhamentos doutrinários. A posição liberal típica, aliás, sustenta, com razão, o direito das pessoas adultas definirem o tipo de comportamento que julgarem mais adequado, desde que dele não resultem prejuízos a terceiros. Neste particular, a decisão de consumir substância psicoativa pode ser questionada no plano dos cuidados com a saúde, mas jamais seria objeto do direito penal, nem do estranhamento moral; pelo menos enquanto dissesse respeito à esfera privada de quem consome. Mas, no Brasil, destacadamente, este processo não se verificou. Aqui, a direita é proibicionista com relação à maconha e permissiva com relação ao álcool; é pelo “Estado Máximo” em se tratando de direito penal e de intervenção para socorrer grandes empresários e pelo “Estado Mínimo” sempre que se tratar de políticas tributárias progressivas e de transferência de renda para os mais pobres. Aqui, a direita é contra a política de cotas nas Universidades (se for para filhos de proprietários de terra, como na chamada “Lei do Boi”, as cotas são justas, se for para pobres ou negros são um escândalo). A direita brasileira é contra a observância do princípio da laicidade, é radicalmente contra o aborto, é homofóbica e amplamente a favor das armas de fogo. Estes são, infelizmente, a grande maioria dos companheiros de Manifesto do deputado Terra. Como dizem os ingleses: “Birds of a feather flock together”.
No Brasil, em contraste com as democracias consolidadas, especialmente com a experiência europeia, faltam liberais à direita e humanistas à esquerda. O que expressa e reforça os limites de nossa frágil cultura democrática. A inclinação pelas posições mais conservadoras – automaticamente alinhadas com os preconceitos disseminados socialmente - passa a ser, neste quadro, quase uma senha para a sobrevivência eleitoral. O que assinalo apenas para que os autores do Manifesto saibam que compreendo perfeitamente as razões de fundo de seu “ânimo” proibicionista. Sobre a esquerda que já existiu no Brasil, é preciso dizer que ela há muito se dissolveu no pragmatismo político, quando não na safadeza, e seus representantes - com as exceções conhecidas - têm sido presas fáceis do senso comum e galvanizados por ele como mariposas pela luz.
Não por outro motivo, o Congresso Nacional tem enorme dificuldade de efetuar reformas, em qualquer área, situando-se já há muitos anos em posições mais conservadoras que o Poder Judiciário. O que não deixa de ser um feito. Perto de Sarney e de Marco Maia, Ayres Britto é um jacobino. Quando a legislação é alterada pelo Congresso, trata-se, via de regra, de maximizar os efeitos de políticas já testadas e amplamente ineficientes, mas que gozam da simpatia dos eleitores ou são mesmo por eles demandadas. Assim, somando-se o oportunismo com a ignorância, a maioria dos parlamentares brasileiros está apta a escolher invariavelmente a pior solução. Mas, justiça seja feita, é preciso dizer que os fatores da soma estão presentes tanto na esquerda quanto na direita, razão pela qual, neste particular - a inapetência pelas reformas - o conservadorismo deixou de ser uma marca exclusiva da direita política faz tempo.
O tema do maior ou menor número de usuários de drogas não pode ser compreendido como uma decorrência da política de drogas. Interpretar o número de usuários como um efeito direto da lei sobre drogas já é, em si mesmo, uma simplificação obtusa. Para compreender isto, bastaria que o deputado Terra olhasse com mais atenção os gráficos que reproduziu em seu texto. Observe-se, por exemplo, os dados do EMCDDA, do gráfico abaixo:
 

Em amarelo, Terra destacou a prevalência menor de problemas com abuso de drogas na Suécia em comparação com outros países europeus. O detalhe que não deveria ter passado batido é que o mesmo gráfico mostra a Holanda com prevalência ainda menor do que a Suécia (aliás, bem menor. Uma análise atenta verá que a vantagem da Holanda em comparação com a Suécia neste ponto é maior que a vantagem da Suécia em relação à média europeia, assinalada em branco no gráfico como EU-25 average). Assim, se o argumento de Terra for aceito como evidência em favor da política restritiva sobre drogas praticada pela Suécia, deve ser ainda mais aceito para a política permissiva e liberal praticada pela Holanda. Desde uma abordagem científica, entretanto, o fato é que não temos aqui evidência alguma, nem para a Suécia, nem para a Holanda.
Em sua tréplica, o deputado Terra afirma:
(os dados) Mostram que a Suécia tem um resultado na redução de doenças e indicadores de saúde muito melhores do que Portugal. Isso comprova que, em relação às drogas, as políticas mais rigorosas e restritivas levam a um melhor resultado de saúde e de qualidade de vida, do que as políticas liberais e/ou “libertárias”.
Esta conclusão sintetiza o equívoco do deputado Terra. Os dados não mostram isto, porque não há como se estabelecer esta relação causal. Ela é totalmente arbitrária. Na verdade, o tema que deveria intrigar o deputado Terra é o de saber por que a política restritiva praticada pela Suécia produz resultados positivos quando todas as demais experiências de políticas restritivas no mundo não o fazem.
Este é um tema que seria muito importante pesquisar. Não tenho a resposta, mas entendo que ela seria muito importante. Estive em duas oportunidades na Suécia e pude compreender um pouco o que é a experiência de Estado de Bem Estar Social que eles construíram. Por tudo o que pude ver e pelo que já li sobre esta experiência, penso que a realidade de igualdade de oportunidades, o profundo respeito aos direitos humanos e a existência de uma cultura disseminada de adesão à norma – que se observa como um contraste radical com tudo aquilo que temos no Brasil – tenham algo a ver com os melhores resultados obtidos não só na política de drogas, mas na política penitenciária, no recrutamento dos policiais, na reforma psiquiátrica e em qualquer política pública que se queira examinar. Mas será preciso investigar muito antes de termos uma hipótese compreensiva sobre o “caso sueco”.
Entre todos os países do mundo, os Estados Unidos representam a opção mais decidida em favor do “rigor” como resposta ao uso de drogas. Como se sabe, milhões de prisões têm sido realizadas desde o início dos anos 70 quando a “War on drugs” foi lançada por Richard Nixon. Quando falo “milhões de prisões” não estou empregando um recurso retórico. Em 37 anos(1970-2007) as prisões por tráfico ou uso de drogas apenas em casos onde não se verificou conduta violenta dos acusados foram realizadas nos EUA mais de 40 milhões de vezes,

Nos países europeus, as taxas médias de encarceramento estão abaixo de 150 para cada 100 mil pessoas. Nos EUA, são de 1009 para cada 100 mil pessoas. Como se sabe, os EUA possuem 4,6% da população mundial, mas 22,5% dos seus prisioneiros (WALMSLEY, 2003).
A primeira pergunta a ser feita é: quais os resultados que esta política “rigorosa” produziu na luta contra as drogas? A melhor resposta foi dada por um liberal chamado Milton Friedman:
Após décadas de experiência, é evidente que: mais polícia, mais prisões, penas mais duras, aumento dos esforços de apreensão, mais publicidade sobre os males das drogas - tudo isto tem sido acompanhado por mais, não menos, viciados; por mais, não menos, crimes e assassinatos; por mais, não menos, corrupção e por mais, não menos, vítimas inocentes” (FRIEDMAN, 1989)
Uma política de descriminalização do uso de drogas nos EUA significaria que quase dois milhões de prisões deixariam de ser feitas a cada ano, ou, se preferirem, uma economia anual de 70 bilhões de dólares. Nos EUA, 80% dos presos federais e 60% dos presos estaduais por crimes de drogas são negros. Em média, pelos mesmos crimes, negros passam seis anos presos e brancos, quatro anos. Nove em cada dez presos por drogas nos EUA são negros ou latinos. A maioria nunca mais poderá votar, mesmo após cumprirem suas penas. 72% dos usuários de drogas nos EUA são brancos, 13,5% são negros. Os dados são impressionantes. Na África do Sul, em 1993, em pleno apartheid, a taxa de presos negros era de 851 para cada 100 mil hab. Nos EUA, em 2008, como resultado do proibicionismo, a taxa é de 6.667 presos negros para cada 100 mil habitantes (ROBINSON and SCHERLEN, 2007).
Com efeito, políticas de drogas afetam rápida e profundamente as taxas de encarceramento, não as taxas de consumo. O que se pode depreender dos próprios dados coletados pelas autoridades americanas (INTERNATIONAL CENTRE FOR SCIENCE IN DRUG POLICY, 2010). Para que se tenha uma ideia dos efeitos da mais rigorosa das políticas contra as drogas em uma democracia contemporânea, bastaria lembrar que os usuários de uma só droga ilegal nos EUA, a maconha, são estimados em 24,8 milhões de adolescentes entre 12 e 17 anos e 12,5 milhões de adultos entre 20 e 35 anos (MONITORING THE FUTURE, 2009 e FEDERAL INTERAGENCY FORUM ON CHILD AND FAMILY STATISTICS, 2001). A OMS, a propósito, organizou uma Conferência sobre Álcool e Juventude na Suécia (Estocolmo) em fevereiro de 2001. Os dados apresentados sobre o consumo de álcool e de drogas ilegais nos países europeus e nos EUA falam por si mesmos: 41% dos estudantes da décima série nos EUA já haviam experimentado maconha, contra 17% dos estudantes europeus. 23% dos estudantes americanos já haviam usado drogas ilegais, além da maconha, contra 6% dos estudantes europeus. O estudo foi conduzido pelo Conselho Europeu com o auxílio de pesquisadores do projeto Monitoring The Future, da Universidade de Michigan, cujos dados foram comparados com o European School Survey Project on Alcohol and Drugs –ESPAD (NEW YORK TIMES, 2001). Se o “método” empregado pelo deputado Terra para justificar políticas proibicionistas for aceito, então se poderia dizer que estes dados oferecem uma evidência muitas vezes mais fortes em favor de políticas moderadas de controle e de tolerância com drogas leves (como aquelas praticadas na maioria dos países europeus) e contra políticas de tolerância zero, como a aplicada nos EUA.
Mas o deputado Terra não cita a experiência americana de “Guerra contra as drogas”. Não diz uma só palavra sobre a política mais amplamente aplicada no mundo - a começar pelo Brasil - para combater o uso de drogas. O deputado Terra cita a experiência sueca. E quer nos fazer acreditar que um Congresso que não consegue votar uma política de prevenção à homofobia, ou aprovar uma legislação minimamente decente para proteger nossas florestas, irá aprovar uma política sueca de prevenção ao consumo de drogas. Com as bênçãos do Pastor Malafaia, faltou dizer.
O que o Manifesto contra a descriminalização do uso de drogas propõe é o aumento da mesma receita repressiva que temos praticado há décadas. A conversa toda se resume, na prática, em mais prisões, leis mais duras e mais policiais, além de, é claro, internações compulsórias, milhares delas de preferência.
Esta receita nós conhecemos e ela não funciona. Não funciona no Brasil, nem em qualquer outro lugar e também não se confunde com o exemplo sueco.
Tendo em conta a cobrança que fiz pelas evidências que amparam a afirmação feita pelo Manifesto de que a política de descriminalização do uso de drogas implantada em Portugal foi um fracasso, o deputado Terra apresentou o Relatório do Instituto Nacional de Administração (INA), sustentando que:
No seu Relatório “Avaliação da Estratégia Nacional da Luta Contra a Droga- 1999-2003”, o INA mostra que das metas estabelecidas por essa estratégia, a maior parte não foi atingida e a proporção de usuários de drogas e de crimes violentos aumentou desde a sua implantação. Não sei como Terra foi capaz de fazer esta afirmação. Simplesmente, não é verdade que o relatório tenha constatado que “a maior parte das metas não foi atingida”. Inicialmente, o relatório mostra que dos 30 objetivos elencados pela legislação, não há dados que permitam qualquer juízo sobre sete deles. O relatório aponta oito objetivos como plenamente atingidos, 10 objetivos como parcialmente atingidos e afirma que apenas cinco dos 30 objetivos não foram atingidos. São estes cinco objetivos que Terra apresenta em seu texto como evidência do “fracasso”, silenciando sobre os demais. Este não me parece ser um procedimento aceitável para quem deseja debater com seriedade. Em sua réplica, Terra disse que eu “pinçava dados” que me eram favoráveis. Penso que, agora, tenha ficado muito claro quem opta por este artifício. Abaixo, para que não persistam dúvidas, reproduzo as lâminas com os 30 objetivos e a avaliação feita pelo INA (clique aqui para uma melhor visualização destas páginas).

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